terça-feira, janeiro 15, 2013

O Intangível


“Um homem que está livre da religião tem uma oportunidade melhor de viver uma vida mais normal e completa.”
Sigmund Freud

Mesmo tendo o maior respeito e reverência pelo Freud e tudo o que ele nos legou, discordo completamente disso. Embora entenda que a fé cega e acrítica acaba por transformar as pessoas em seres idiotizados e insuportavelmente babacas, sei que existem outras maneiras de venerar o inexplicável e ainda assim ter uma vida completa. Particularmente, tive uma formação católica pelo fato de ter estudado em colégio de freiras e me lembro inclusive de, lá pelos sete anos, ter dito a minha mãe que seria Padre e pedido para ser interno em uma instituição dessas. Porém, para minha sorte ela, já meio cabreira e dada a benzedeiras kardecistas, não me atendeu. Caro e escasso leitor, imaginem esse ser que vos fala em um seminário! A questão é que eu acreditava piamente em Jesus e Nossa Senhora! Aliás, eu adorava Maria fosse ela preta ou branca e quando passava na frente de uma imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, que ficava em frente à escada da minha casa na época, fazia-lhe uma reverência silenciosa. Quanto ao Jesus crucificado, não me pegava muito, não! Preferia a imagem dele ainda criança com o globo na mão que há na capela do Educandário até hoje e devo dizer que, fervoroso em minha fé, era uma criança completamente feliz e satisfeita porque não havia o medo e eu tinha plena certeza de que Deus estava comigo.

Passam-se alguns anos, cresço um pouquinho, inauguro uma fase meio punk questionadora e minha fé foi para o “beleléu”! Tenho a impressão de que passei a maior parte da vida sem acreditar em nada e toda aquela certeza de proteção e felicidade acabou! Enterrei-me na biblioteca pública e lia por conta apenas o que realmente quisesse. Tudo o que não interessava eu coloquei no campo das coisas que não mereciam minha atenção e disponibilidade. Aliado a isso, havia meu pai que é cético até a medula e minha mãe que por ética achava que não devia impor a mim a sua crença. Lembro de uma vez em que, numa reunião de amigos, uma senhora penapolense ligada nessas coisas de ufologia a ponto de promover reuniões em sua casa com um grupo, disse ao meu pai que um extraterrestre havia estado com ela na alta madrugada. Eu que estava do lado não consegui nem olhar direito para cara dele por medo de gargalhar na frente dela, dando uma respirada funda para me conter. Ele olha para ela assustado e pergunta: Mas... você estava sóbria?! Nesse momento saí e fui buscar alguma coisa na cozinha e longe dali descarreguei meu riso contido! Como eu também achava tolo ser crédulo, acabei me envolvendo em algumas situações desnecessárias do tipo dizer em uma aula de ensino religioso que, sendo Maria casta na concepção ela perdeu a virgindade com o filho, pois me disseram lá em casa que a mulher é virgem enquanto ainda possui o hímem. Óbvio que não me disseram assim e nem foi em casa que se deu a tal “revelação” e sim na rua de forma bem vulgar. Algo como: “a garota é virgem porque não perdeu o cabaço, não deu a boceta”. Assim fiquei por muito tempo, ou seja, crendo com tal força em minha descrença que acabei por transformá-la em uma forma de fé.

Acontece que os anos foram passando e eu meio sem perceber acabei me voltando para esse campo novamente a partir do momento em que descobri os cultos de origem africana ou, como se diz por aí, a macumba e principalmente quando me dei conta de que as minhas certezas não elucidam tudo e então abri novamente a porta para a dúvida, mas dessa vez menos pedante e mais atento. Hoje frequento um centro quase que semanalmente, converso com as entidades, arrumo briga com elas, peço conselhos, levo bronca, reverencio a eles e aos Orixás e não tenho a menor dúvida da minha fé – mesmo sendo um praticante rebelde - porque o questionamento está em mim tanto quanto a vida profana e é nesse sentido que eu discordo do Freud, pois eu faço tudo o que quero como, onde, com quem e quando tenho vontade. Essa é a fé que me interessa! A fé que entende e respeita minhas necessidades de toda ordem sem querer me transformar em seguidor formatado por algum grupo porque esse é apenas mais um nicho da nossa existência.

Agora, claro que não podemos ler o pai da psicanálise com os olhos de hoje mesmo tendo sido ele um homem do futuro. O próprio explica algo que vai à direção do que digo aqui. Posso afirmar sem medo de ser bobo ou leviano que a fé não me comprime, ao contrário, ela me expande e isso, claro, é muito pessoal!

“A felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é válido. Cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz”
Sigmund Freud