terça-feira, novembro 12, 2013

Esperando Lorenzo




Todos nós nascemos originais e morremos cópias - frase atribuída a Carl Jung. Mais uma vez estou esperando um sobrinho e isto é maravilhoso. Primeiro porque é muito bom ser tio, segundo porque minha irmã e seu marido estão felizes com a chegada do próximo filho e é assim que todo mundo deve vir ao mundo, ou seja, desejado. Terceiro porque eu adoro crianças, mas sei que os rebentos crescem, ficam caros e, sendo pobre e sem aptidão para negociar meu tempo e vida com outro ser humano que eu não possa por opção mandar à merda, não terei filhos. Por fim, acima de qualquer desejo ou anseio de quem quer que seja, mais uma vida surge para nos mostrar, entre tantas coisas, o quanto não valemos nada, absolutamente nada. A vida corre por si e, em certa medida, isso se dá independente até mesmo de quem a vive.

Quanto ao bebê que desponta por aí, chama-se Lorenzo e desbancou nomes como Noah, Vicente e Ignácio. Ao que tudo indica, chega em fevereiro como a mãe Susana e a prima Cecília. Eu gosto bastante dessa ideia de pertencimento zodiacal mesmo não entendendo nada de astrologia. Quero que ele seja feliz e viva em um mundo onde as pessoas possam dizer, agir, serem exatamente aquilo que tenham vontade sem que esta seja uma postura subversiva, mas apenas mais uma forma de ser e estar. Torço para que, assim como o seu irmão, seja muito amado, inteligente e vibrante e tenha força para enfrentar a existência – este exercício árduo e desagradável com poucos, raros e intensos momentos de felicidade.

Meu muito amado sobrinho, confesso que estava meio sem vontade de escrever a ti porque ando há muito sem gosto por esta ação. Porém, desde que nossa Vó Laura se foi, fiquei pensando no quanto ela estava feliz com o seu nascimento e certamente rezando para que tudo corresse bem, tanto em sua gestação como no dia do parto que ainda vai acontecer. Além disso, que não é pouco, você será muito provavelmente a grande notícia boa depois desta dor imensurável e isso já me aquece o coração, faz com que eu vença minha falta de ânimo e pense em algumas palavras de boas vindas como fiz com Dante e Cecília com mais inspiração, mas com o mesmo imenso e puro sentimento que já dispenso a ti. O dia que sua mãe colocou a imagem de seu rostinho fotografado de uma ultrassonografia pensei “que venha feliz, que seja feliz, que faça feliz” e, certo de que tudo isto é possível, espero ansioso pelo dia em que o teremos nos braços, contemplando infinitas possibilidades.

Você, Lorenzo, não tem compromisso algum! Seja como der, quiser e puder que estamos aqui de braços e corações abertos plenos de amor para dar e, caso queira ouvir um bom conselho dos muitos que eu lhe darei de graça, exercite a tolerância, mas com firmeza e saiba que o mundo está infestado de brutos e idiotas. Portanto, paciência e talento para não se amargurar que esta vida é de luta, lhe dá bem menos do que cobra. Desconfio eu que choramos ao nascer por nos depararmos com este imenso cenário de dementes. Saiba que, estranhamente, com tudo isto, viver pode ser uma imensa e bela aventura.

Voltando ao Carl Jung, faça de ti uma incrível versão. Boa sorte!

Só se for a dois, a três, de quatro...


"Eu disse não
Ela não ouvia
Mandei um sim
Logo serviu
Então pensei
Ela é bela
Porque não com ela
Sexo é bom!
Hum!"
(fragmaneto da letra Difícil - Marina Lima)

Acabo de chegar de uma festa com poucos e bons amigos. A questão é que de uns tempos pra cá tanta gente me conta coisas delicadas que isso, confesso, acabou me deixando intrigado.

Hoje foi a vez de um amigo que, bem preocupado, relata que "brochou" com a namorada por três vezes nas últimas semanas e como ele estava um tanto "alto" de uísque, sugeri que falássemos sobre o assunto na cozinha, pois alguém poderia ouvir e mesmo que isso seja algo natural é sempre bom mantermos uma certa discrição sobre a nossa vida sexual. Eu mesmo tenho pouca gente que sabe - de fato - da minha porque não a julgo, como dizer, publicável, e percebo que o que acham e dizem por aí é sempre melhor, mais excitante e perturbador do que a vida real. Aliás, prefiro que seja assim porque antes ser uma lenda do que uma personalidade insossa. Agora, voltando ao caso, vou reproduzir o diálogo:

Ele: Lucas, você já brochou?
Eu (surpreso): Eu?! Como assim? O que te falaram?
Ele: Cara, é sério! Eu pergunto porque isso tem acontecido comigo. Quer dizer, aconteceu umas três vezes nas últimas semanas...
Eu (mais calmo): Huuummm... não que eu tenha brochado, mas já saí pela tangente por saber que brocharia.
Ele: Como? Pau fica duro ou não!
Eu: É... na dúvida eu não abaixo as calças.
Ele: Ah! Você nunca achou que ia e não foi?
Eu: Fulano, deixa eu te explicar uma coisa: eu só faço o que eu quero! Foi sempre assim! Eu não transo por obrigação! Não gosto disso, acho triste, vulgar, feio mesmo! Mais do que isso: acho deformação de caráter! Se eu tiver que escolher entre saciar a mim mesmo e ao próximo, escolho sempre a primeira opção. Sexo só é bom se for real, entende?
Ele: Mas... você acha que eu estou com algum problema?
Eu: Não sou médico e nem psicanalista, mas... você é tão novo para estar com alguma disfunção física. Não que isso seja impossível, mas é um pouco improvável. Escuta, você transa com outras garotas? Como é?
Ele: Ah! Não... no começo do namoro transei, mas de uns tempos pra cá tenho sido fiel a ela.
Eu: E quando a beija, quando está com ela você pensa em outras?
Ele: Claro que em algum momento da transa penso em alguma mulher gostosa, mas estou com ela, gosto de estar com ela.
Eu: É... não sei o que pensar! Tenho medo de, sei lá, atrapalhar mais do que ajudar. Agora, só uma coisa: o que fez você me contar isso?
Ele: Precisava falar com alguém e pensei que ninguém seria mais direto. Você fala das coisas de maneira bem rápida.
Eu: hahahahahahaha... entendo! Bom, acho que o meu conselho pra você e pra todo mundo em relação a sexo é: não faça nada por obrigação! Sexo só é bom se for, de fato, uma realização de desejo.

A conversa não parou por aí, mas chegou no ponto que me interessa. Há bem pouco tempo uma amiga confessou que em sua vida matrimonial acaba transando sem vontade porque o marido insiste. Fiquei completamente embasbacado com tal confissão e pensei que não se pode aceitar que, nos dias de hoje, depois de tantas conquistas conseguidas com lutas, sendo muitas delas sangrentas, haja alguma mulher que se sujeite a isso. Fiquei bravo e disse que era ignorância ceder sem vontade, que se tratava de uma imposição cultural, de um atraso, de burrice e ignorância. Agora, olhando de longe, talvez tenha sido insensível e não dei o colo que certamente ela buscava. Por outro lado, quem vem falar comigo, talvez, queira isso mesmo, ou seja, a tal "maneira bem rápida" e pouco lapidada. Tudo isso, claro, é uma suposição, mas acho que bem fundamentada.

Não vou me alongar mais por não ser sexólogo. Porém, se alguém quiser saber o que eu acho primordial para uma vida sexual gostosa como deve ser, há apenas duas formas: a primeira é transar comigo e a segunda, bem mais simples e geral, é ler "um bom conselho que lhe dou de graça". Saiba dizer sim e não quando couber, invada, mas sempre pedindo permissão e se para caber tiver que fazer ajustes que lhe fira é porque algo não vai bem. Sexo a dois, a três, de quatro ou seja lá como for, só pode haver masturbação se for provocativa e não a única saída.

terça-feira, janeiro 15, 2013

O Intangível


“Um homem que está livre da religião tem uma oportunidade melhor de viver uma vida mais normal e completa.”
Sigmund Freud

Mesmo tendo o maior respeito e reverência pelo Freud e tudo o que ele nos legou, discordo completamente disso. Embora entenda que a fé cega e acrítica acaba por transformar as pessoas em seres idiotizados e insuportavelmente babacas, sei que existem outras maneiras de venerar o inexplicável e ainda assim ter uma vida completa. Particularmente, tive uma formação católica pelo fato de ter estudado em colégio de freiras e me lembro inclusive de, lá pelos sete anos, ter dito a minha mãe que seria Padre e pedido para ser interno em uma instituição dessas. Porém, para minha sorte ela, já meio cabreira e dada a benzedeiras kardecistas, não me atendeu. Caro e escasso leitor, imaginem esse ser que vos fala em um seminário! A questão é que eu acreditava piamente em Jesus e Nossa Senhora! Aliás, eu adorava Maria fosse ela preta ou branca e quando passava na frente de uma imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, que ficava em frente à escada da minha casa na época, fazia-lhe uma reverência silenciosa. Quanto ao Jesus crucificado, não me pegava muito, não! Preferia a imagem dele ainda criança com o globo na mão que há na capela do Educandário até hoje e devo dizer que, fervoroso em minha fé, era uma criança completamente feliz e satisfeita porque não havia o medo e eu tinha plena certeza de que Deus estava comigo.

Passam-se alguns anos, cresço um pouquinho, inauguro uma fase meio punk questionadora e minha fé foi para o “beleléu”! Tenho a impressão de que passei a maior parte da vida sem acreditar em nada e toda aquela certeza de proteção e felicidade acabou! Enterrei-me na biblioteca pública e lia por conta apenas o que realmente quisesse. Tudo o que não interessava eu coloquei no campo das coisas que não mereciam minha atenção e disponibilidade. Aliado a isso, havia meu pai que é cético até a medula e minha mãe que por ética achava que não devia impor a mim a sua crença. Lembro de uma vez em que, numa reunião de amigos, uma senhora penapolense ligada nessas coisas de ufologia a ponto de promover reuniões em sua casa com um grupo, disse ao meu pai que um extraterrestre havia estado com ela na alta madrugada. Eu que estava do lado não consegui nem olhar direito para cara dele por medo de gargalhar na frente dela, dando uma respirada funda para me conter. Ele olha para ela assustado e pergunta: Mas... você estava sóbria?! Nesse momento saí e fui buscar alguma coisa na cozinha e longe dali descarreguei meu riso contido! Como eu também achava tolo ser crédulo, acabei me envolvendo em algumas situações desnecessárias do tipo dizer em uma aula de ensino religioso que, sendo Maria casta na concepção ela perdeu a virgindade com o filho, pois me disseram lá em casa que a mulher é virgem enquanto ainda possui o hímem. Óbvio que não me disseram assim e nem foi em casa que se deu a tal “revelação” e sim na rua de forma bem vulgar. Algo como: “a garota é virgem porque não perdeu o cabaço, não deu a boceta”. Assim fiquei por muito tempo, ou seja, crendo com tal força em minha descrença que acabei por transformá-la em uma forma de fé.

Acontece que os anos foram passando e eu meio sem perceber acabei me voltando para esse campo novamente a partir do momento em que descobri os cultos de origem africana ou, como se diz por aí, a macumba e principalmente quando me dei conta de que as minhas certezas não elucidam tudo e então abri novamente a porta para a dúvida, mas dessa vez menos pedante e mais atento. Hoje frequento um centro quase que semanalmente, converso com as entidades, arrumo briga com elas, peço conselhos, levo bronca, reverencio a eles e aos Orixás e não tenho a menor dúvida da minha fé – mesmo sendo um praticante rebelde - porque o questionamento está em mim tanto quanto a vida profana e é nesse sentido que eu discordo do Freud, pois eu faço tudo o que quero como, onde, com quem e quando tenho vontade. Essa é a fé que me interessa! A fé que entende e respeita minhas necessidades de toda ordem sem querer me transformar em seguidor formatado por algum grupo porque esse é apenas mais um nicho da nossa existência.

Agora, claro que não podemos ler o pai da psicanálise com os olhos de hoje mesmo tendo sido ele um homem do futuro. O próprio explica algo que vai à direção do que digo aqui. Posso afirmar sem medo de ser bobo ou leviano que a fé não me comprime, ao contrário, ela me expande e isso, claro, é muito pessoal!

“A felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é válido. Cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz”
Sigmund Freud

quarta-feira, outubro 03, 2012

Doce Espera





Certa vez a Anna Sílvia, que era uma excelente professora de redação no colegial, passou a letra de Teresinha do Chico Buarque para que fizéssemos uma releitura e eu me levantei, fui até ela e perguntei até um pouco pedante se podia fazer algo diferente, carregado e com muitas palavras de baixo calão. Ela, inteligente que só, respondeu que eu tinha total liberdade e que a correção se ateria apenas à construção textual (ortografia, gramática e semântica), dando um exemplo ótimo: "Eu não ligo que você escreva caralho desde que não seja caráleo, entende?"

O fato é que eu fiz e há pouco tempo reencontrei o rascunho. Até hoje não sei bem porque, mas eu sempre joguei fora a versão escrita em tinta no final do ano e guardo até hoje os rascunhos feitos a lápis. Aliás, eu gosto muito de jogar fora, queimar, destruir completamente e guardo uma ou outra coisa aqui no blog ou mesmo em e-mail. Acho destruir uma coisa positiva, exorcizante, higiênica mesmo! Acontece que - ao reler - me deu uma vontade louca de rever essa mulher tão controversa, romântica e maluca criada pelo compositor e simplesmente não consigo postar o texto de mil novecentos e noventa e nove sem retoques e isso porque na primeira versão Terezinha terminava louca de ciúme, desfigurando a facadas uma oponente que hoje nem me parece real. Hoje a vejo assim:

Tive três grandes amores nessa vida. Na verdade, não! Eu não tive muitos amores porque o grande amor é sempre o último ou o do momento. Logo, tenho apenas um amor e ele é o homem definitivo, único em minha vida. É dele que eu sou, para ele que eu vivo e com ele que durmo todas as noites até hoje. Vocês podem não acreditar, mas eu tive, ainda essa noite, uma madrugada de corar prostitutas senis e experimentadas. O melhor é que está tudo em detalhes na minha cabeça que é a morada de toda luxúria que possa haver.

Ele chegou quando não havia mais olhos abertos e refestelou-se, fazendo de mim o ser humano mais saciado, vulgar e sujo de que se tem notícia. Foi tanto abuso e gozo que mesmo ao me banhar para falar com os senhores ainda posso sentir aquele odor de mulher metida com força, humilhada, castigada mesmo! Ah! Se eu soubesse que bastava acabar com tudo para que ele me tratasse como tratava as putas, teria cometido tudo isso antes. Eu nunca pensei que a marginalidade, a privação, a loucura poderia ser tão libertadora! Em pensar que passei tanto tempo limpando a casa, parindo, cozinhando, cuidando de tudo com esmero para ser vista quando, na verdade, tudo o que eu queria era apenas ter uma boca vermelha, um corpo usado, um vestido brilhante, um cabelo sedoso e longo. Eu nunca gostei da vida como era, sabe? Eu estava acostumada, mas odiava aquilo tudo! Não gosto nem dos filhos! Aliás, posso fazer uma pergunta? Eu deixei tudo limpinho, né?

Bem, vocês querem saber como tudo aconteceu, não é? Posso dizer, Doutor? Eu posso?

Eu estava em casa, vendo novela com as crianças. Nossa! Como era difícil lidar com aquelas pestes! Vez ou outra até me pegava em momentos de ternura, mas logo algum chorava e implorava atenção. A atenção que eu só tinha para ele, para o meu homem e não para aquelas crianças que aconteceram em nosso lar sem pedir licença. O fato é que naquela noite ele não veio no tempo devido e eu enlouquecida de raiva pensei que algo devia ser feito e fui até a cozinha, fiz uma mamadeira para cada um com um pouco de calmante. Não tardou muito e os três dormiram rápido! Eu adoro a imagem deles dormindo porque parecem anjinhos tão cândidos e silenciados! As horas foram passando e nada dele voltar. Aquilo foi me dando uma privação mesmo e resolvi que de nada adiantava as crianças dormirem porque eu não seria mulher aquela noite. Então fui até a garagem, peguei uma mangueira de piscina e coloquei uma ponta no escapamento do carro e a outra dentro do veículo fechado. Levei os três já adormecidos para lá, os coloquei no banco de trás um a um. Ah! Como estavam lindos e bem cuidados! Eu sempre fui uma mãe zelosa! Fiquei olhando e nem sofrimento teve. Como ficaram bonitinhos, corados! Assim que percebi que eles tinham dormido para sempre ao lado do Menino Jesus e de Nossa Senhora, os levei para o quarto novamente e os coloquei em suas caminhas. Não demorou muito e logo o meu homem chegou. Eu já estava pronta com minha camisola de renda preta, banho tomado e perfumada. É engraçado tudo isso! Quando adolescente eu me imaginava casada, com filhos, esperando meu marido e na minha imaginação essa cena era tão bela, uma espera doce, afetuosa. A vida é mesmo estranha e tão diferente das cenas que imaginamos no café da manhã.

Ele: Demorei muito? Tivemos reunião até tarde hoje.
Teresinha: Você nunca está atrasado! Eu esperaria para sempre se preciso fosse.
Ele (roçando os lábios em seu pescoço): Como é bom te amar, sentir seu cheiro!
Teresinha (falando em seu ouvido): Psiuuu! Não fale! Faça silêncio! As crianças podem acordar. Apenas me ame em silêncio como eu sei que fazes na rua...
Ele (irônico): Você gosta de pensar que tenho outras! Só pode...

Ali Teresinha e o marido se amaram pela última vez, pois assim que ele adormeceu ela foi até a dispensa e pegou a linha de pesca dele - material com o qual o matou, dilacerando o seu pescoço.

Teresinha (olhando para o marido agonizante): Pensa que eu não sei o que fazes nessas pescarias, maldito?!

O marido tentou em vão se defender, mas com os sentidos comprometidos por clorofórmio que ela o fez ingerir de supetão, nada seria de grande valia. Morreu, segurando as mãos de sua, até então, amantíssima esposa.

Teresinha se levantou, arrumou tudo impecavelmente, escreveu a carta que acaba de ser lida por vocês e só então matou-se do mesmo jeito que mataste as crianças.

segunda-feira, julho 02, 2012

O Silêncio!


Outro dia, conversando com uma grande amiga, ela me perguntou o porquê de eu estar escrevendo pouco. Como não costumo pensar muito nisso, pois escrever não é um ato que me faça falta respondi que, talvez, as coisas não sejam mais tão interessantes para o meu olhar como já foram um dia. Digo isso porque me lembro nitidamente em como o cotidiano banal me despertava interesse e me dava vontade de escrever. Algumas situações eram tão desinteressantes que eu começava a imaginar em cima. Eis algumas:

Não me lembro com certeza o ano, mas sei que eu era criança e estava em um supermercado quando avisto de longe, na barraca de laranjas, minha mãe dar um tapa em público no meu pai. No momento não soube dizer se aquilo mais me chocou pelo ato em si ou se me envergonhou já que em uma cidade como Penápolis uma briga conjugal dessas proporções viraria um escândalo e eu seria filho da louca que bate no frouxo. Pensava: "Meu Deus, que horror! Eu não quero ser filho de ninguém e agora eles brigam no mercado!"

O fato é que minha mãe não bate no meu pai e vice-versa e o acontecimento se deu por causa de uma barata que, aliás, é o maior medo que eu conheço da minha progenitora. Ela já protagonizou outras cenas vexatórias/engraçadas por causa das bichinhas e enquanto escolhia as frutas, a barata roçou em sua palma, meu pai estava logo atrás e ela saiu com a mão em alta velocidade que se chocou na face de seu amantíssimo esposo completamente embasbacado com a agressão sofrida em público. Não, antes de pensar no tapa ela só conseguia dizer "Uma barata, Chico! Uma barata! Que nojo! Uma barata!"

Eu só soube a real versão alguns minutos depois, uma vez que com vergonha do que vi sem entender, achei prudente e inteligente ficar longe. O fato é que - muitas vezes - a imagem é sempre mais forte do que a versão e isso foi o que sempre me motivou a escrever. Muitos são os momentos em que olho para alguém na rua e começo a inventar uma vida completa para o indivíduo. Aliás, quando acabo conhecendo a versão real sempre acho que a minha era melhor.

Em um outro momento estávamos eu, mãe, tia e avó em uma padaria aqui em São Paulo, esperando para tomarmos sopa. Havia uma fila um tanto grande e um pouco à frente de nós uma senhora bem vestida, sua filha, genro e dois netos.

Eu: Vó, tá vendo aquela senhorinha ali?
Vó: Sim. O que tem ela?
Eu: Tenho certeza que ela é viúva de fiscal, deve ter uma pensão de uns R$ 20.000,00 e um apartamento aqui nos Jardins.
Vó (rindo): Como você sabe?
Eu: Ela não está contente! Está com cara de quem queria estar com as amigas, fumando um cigarro e jogando tranca, mas aí a filha mimada e o genro fracassado no mercado financeiro se mudaram pra casa dela e agora ela banca geral e ainda teve que mudar sua rotina. Ah! Essa aí é filha única!
Mãe (rindo): Como você é bobo!

No final a senhora pega todas as comandas e paga a conta sozinha!

Eu (olhando para as três): Não disse?
Vó (rindo): Meu cú nem penica!
Eu: Mas eu acertei!

Tem também os momentos em que eu simplesmente interajo com meus personagens e vou lá conhecer. Quase sempre sou cínico! Tenho um personagem que se chama Arthur e é médico, outro que se chama Lucas mesmo, mas é órfão de pai e filho da empregada de uma fazenda que estudou com bolsa do governo e não gosta de falar muito da vida no campo. A questão é que acabo me esquecendo de com quem os usei e vez ou outra encontro o cidadão novamente e acabo sendo desmascarado! Outro dia - em um boteco sujo na Augusta - chega um rapaz que me conhecia da PUC, dizendo que ele e uma amiga vieram falar comigo e eu respondi "vocês não podem ser meus amigos porque eu só tomo bebidas caras". Na hora comecei a rir e lembrei que havia mesmo esse personagem que era um escroto, mas tão escroto que eu escrevia sobre ele e jogava fora. Foi então que eu respondi: "Sabe como é, né? O mundo dá voltas e eu estou aqui bebendo essa cerveja vagabunda com amigos tão baratos quanto. Ah! Eu nunca fui tão caro assim!"

Outra questão recorrente que me fazem é se escrevo coisas que acontecem comigo. Claro que uma coisa ou outra pode ser minha, mas é óbvio que não! Eu jamais abandonaria filho para viver na estrada, não mataria prostituta por solidão, não transaria por obrigação, não seria ingrato com quem me estende a mão em momentos de necessidade e tantos outros casos aqui inventados. Por outro lado, tem as festas de casamentos que eu praticamente destruí com meus porres homéricos e bunda de fora e o aniversário infantil que qualquer dia eu conto. O fato é que alguns personagens possuem vida própria na minha cabeça. Adelaide da boleia, Maria Elvira da Lapa, a viúva das "mangas" e o velho assassino foram fantasmas que me tiraram o sono enquanto não sentei e contei seus casos. Todos permanecem vivos em minha cabeça! Isso é um pouco perturbador e psicótico, mas é assim que funciona, ou seja, enquanto não dou voz a eles, não consigo viver o meu silêncio. Para mim escrever é um hábito noturno como todos os outros que me dão prazer na vida e ele acontece sorrateiro, chegando sem avisar. Por isso mesmo fico apavorado quando me pedem, encomendam algo! Não quero, não sei e não irei aprender a fazer assim! Continuarei em minha teia repleta de delírios e fantasias - nocivas ou não. Quando puder publicar sem grandes melindres e reverberações desnecessárias eu publico porque no final das contas fazemos isso por nós mesmos, para nos salvar. É preciso deixar vestígio e foi sempre assim.

"Escrever é, simplesmente, uma maneira de falar sem que nos interrompam." (Sofocleto)

quarta-feira, junho 13, 2012

Bolero Derradeiro



Olavo era velho! Decadente, meio corcunda, alcoólatra e vivia de renda. Tinha dois filhos que não ligavam e nem o visitavam nos longos trezentos e sessenta e cinco dias do ano. Na verdade ele só se deu conta de que não era importante para ninguém porque ao completar oitenta anos não recebera nenhum telefonema seja de familiares, colegas da repartição pública, de onde conseguiu ser exonerado por justa causa, ou mesmo dos poucos companheiros de copos e noitadas que acumulou nos últimos vinte nove mil e duzentos dias. Sim, ele fez a conta! Aliás, chocou-se quando percebeu que apesar de tudo o destino não lhe dera a demência ou alguma outra doença comum aos que passam a vida desafiando a saúde.

Pensou em ligar para os filhos, algum amigo, sobrinho, mas sabiamente chegou à conclusão de que não deveria. Então decidiu pegar o jornal e contratar alguma vagabunda daquelas que sempre o encantaram.

Sim, uma puta! Foi com e para elas que eu vivi! Preciso de uma puta nem que seja para conversar, beber um gim, dançar, mostrar que estou vivo!

Abriu o jornal e entre tantas resolveu ligar para Manu, a "estudante de fisioterapia".

Manu: Alô!
Olavo: Alô! Você é a moça do anúncio?
Manu: Sou. Você quem é?
Olavo: Quero contratar seus serviços! Não precisa da tal massagem, apenas esteja vestida de forma elegante, mas nem tanto. Gosto de mulheres vulgares!
Manu: Você vai me desculpar a pergunta, mas... o senhor já é de idade, não é?
Olavo: Algum problema nisso?
Manu: Não! Até prefiro... gosto de homens mais velhos porque são gentis.
Olavo: Ótimo! Pode ser hoje para o jantar?
Manu: Hoje? Pode, sim! Onde será?
Olavo: Gigetto! Rua Avanhandava 63 às 19:00 h e sem atraso.
Manu: Combinado! Estarei com um vestido vermelho.
Olavo: Não! Quero que se vista de branco e que tenha um decote displicente, cabelos soltos.
Manu: Branco?! Está bem! Vou ver alguma coisa aqui.
Olavo: Já tenho uma reserva lá! Basta pedir para ser levada até a mesa de Olavo Ribeiro.

Na hora marcada, no Giggeto, surge a moça em um vestido justo que contornava um corpo enxuto e moreno. Olavo a observa e gosta do que vê, sentindo pulsar um sangue que - por alguns instantes - o fazia esquecer-se da idade. Ela se senta, olha para ele com ar sedutor e diz:

Manu: Engraçado! Você é mais velho do que eu pensava. Acho que nunca peguei um cliente assim...
Olavo (interrompendo a moça): Assim como? Com idade para ser seu avô?
Manu: Não foi isso o que quis dizer! Me desculpe! Mesmo! Mas...
Olavo (interrompendo novamente): Mas é isso, não é? Não precisa ficar envergonhada ou achando que me ofendeu. Na minha idade é assim mesmo! Quem não me conhece me olha como um avô terno e quem me conhece como um velho safado.
Manu(achando graça): Na verdade você pode ser os três, não? Terno, avô e safado!
Olavo (esboçando um sorriso): É... podemos ser o que quisermos, não é mesmo?
Manu: Você me parece ser legal!
Olavo: Obrigado, muito obrigado!

Jantam, conversam, bebem um vinho e então vão embora. Manu não costuma atender à domicílio, apenas em hotéis, mas confiante resolveu ir até a casa do velho, pensando que seria tudo rápido e que - talvez - pudesse haver até alguma coisa de valor que ela pegaria e ele jamais teria coragem de reclamar. Ao chegarem no apartamento na Bela Cintra com a Alameda Jaú Olavo sente o olhar um pouco deslumbrado e pede que ela se sente. Vai até a vitrola, tira um disco de boleros, coloca e deixa rolar, serve um scotch para ambos, dão alguns goles e começam a dançar.

Olavo: Gosto do seu perfume! Cheiro de coisa cara sem muito critério na escolha.
Manu: Você está dizendo que gosta, mas é ruim?
Olavo: Disse que gosto e se gosto é porque é bom. Mania boba que os jovens tem de querer estar impecável! Eu já fui assim e já fui bonito, bom partido e agradável.
Manu: Sei! Eu não tenho muito como dialogar sobre isso, mas gostei mesmo de você, do trato, de tudo...
Olavo: Você lembra minha esposa, mas é mais quente, menos idiota, se mexe melhor...
Manu (rindo): Você é mesmo terrível para um avô terno, não?
Olavo (interrompendo a dança): Vá até o quarto, levante o vestido na altura do umbigo, deixe o sexo à mostra que eu já vou.
Manu: Pode deixar! Estarei pronta!

Ela vai até o quarto e começa a se preparar. Olavo passa no banheiro antes, pega o que precisa, se olha no espelho e pensa na grande noite que está para realizar. Ao entrar no quarto, vai em direção ao sexo completamente exposto da jovem, fecha os olhos, cheira, pede que ela pulse, olha, fica maravilhado e enfim começa a lamber primeiro de canto e lento, depois forte e invasivo. Manu perplexa com o grau de prazer que sente fica extasiada e pensa em como o subestimou. Da sala ouve-se Perfídia e o velho coloca um ou outro dedo dentro dela que continua a sentir um prazer incomum. Com a outra mão ele puxa um objeto que estava embaixo da cama e em um golpe brutal e certeiro rasga a barriga dela. O sangue jorra, ela grita desesperada por um ou dois minutos até morrer dolorosamente. Olavo em pé e com a boca suja de fluídos e sangue, pega a mesma faca e vai em direção certeira até o próprio pescoço. Enquanto se esvai, pensa: Eu sempre amei as putas! Com elas vivi, com elas morro! Da vitrola toca Sabor a mi!

quarta-feira, maio 02, 2012

Louca Me Chamam!


Ambiente de luzes, bebidas e conversas animadas. No canto escuro da sala está ela – pele alva, cabelos negros e lisos, olhos azuis, boca vermelha e aquele ar de quem está procurando algo. Na sexta-feira ela sempre se veste com cores vibrantes e cortes insinuantes. Naquele dia seu vestido de seda cara alcançava até o meio da coxa, bem acinturado, turquesa com um decote em “v” sem manga acompanhado de um sapato preto com salto bem alto. Na verdade nem estava tão quente, mas ela não admite passar a noite escondida em panos e, como costuma dizer, já que é para se esconder que seja com um cigarro e um bem servido “Apple Martini” pago por um cavalheiro ou dama bem disposto.


A noite prometia e não seria ela que ficaria a ver navios. Ah! Seu nome? Deborah. Aliás, convenhamos, nome que vai explodindo em sílabas e termina bem aberto em “ah”. Logo olha para a porta e vê um moço entrando todo seguro de si, meio folgado, oportunista e pensa que talvez já tenha encontrado o seu grande amor de uma noite só. Passa a fitá-lo descaradamente até que, impaciente, resolve ir até seu encontro e ver o que consegue com seu charme de dama impura. O rapaz está sentado do outro lado do bar conversando com o bartender.


Ela (sorrindo maliciosamente): Olá! Posso me sentar ao seu lado?


Ele (com seu tom canalha e irresistível): Claro.


Ela: Bem, serei direta porque não sou moça de rodeios. Está esperando alguém?


Ele: Olha só! Acho que estou diante de uma devoradora...


Ela (rindo e mexendo seu drinque com o dedo indicador): Será? Cabe ao homem ser presa ou predador, devo alertar.


Ele: Na verdade estou, mas acho que tenho uns trinta minutos ainda...


Deborah olha fixamente para ele com seus olhos desconcertantemente azuis e, sem dizer nada, dirige-se ao banheiro. Antes de entrar, vira-se e olha mais uma vez. O rapaz, tão acostumado a moças passivas e inebriadas com seu tom de macho pegador, sente um frio na espinha e entende que naquela situação não pode simplesmente recusar. Olha dos dois lados e com a naturalidade possível vai atrás da mulher que o abordou de forma tão incisiva. Ao chegar, ela abre o reservado, puxa o rapaz, tranca e sem que ele tivesse alguma chance de domínio, dispara:


Ela (levantando o vestido e abaixando a calcinha): Vai! Prove agora.


Ele, sem nem pensar na hipótese de desobedecer, abaixa-se e começa lambendo e mordiscando a coxa esquerda, depois a direita, enquanto ela vai se mexendo com tamanha facilidade em tão apertado espaço que passa a impressão de que já está acostumada com esse tipo de situação. Ao chegar no destino ela pede para ser bulinada com os dedos. Ele obedece. Deborah se movimenta tanto em sua mão que num dado momento seu sexo fica úmido e ela mais uma vez dá uma ordem que deve ser atendida:


Ela: Chupa! Vai! Enfia essa língua em mim.


Ele (atônito): Delícia! Adoro uma putinha.


Deborah olha para baixo e atônita de ódio puxa o rapaz pelos cabelos, levanta-o surpreso com os lábios molhados e sem dizer uma palavra arruma-se rapidamente, abre o reservado, sai, o deixa ali dentro, vai até a pia, retoca o batom, lava as mãos, volta para o bar e pede um novo drinque. Quando vê que não tem mais ninguém ele sai e volta para o bar. Senta-se onde estava, fuzila a mulher que o abordou com o olhar, pede a conta e fica do lado de fora esperando uma moça de família que chega uns quinze minutos depois.


Enquanto isso Deborah começa a olhar em volta para ver outro ou outra que termine o serviço começado. Na verdade ela nem se ofendeu com o anterior, mas não queria começar e terminar com o mesmo. Por acaso, naquela sexta-feira, encerrou a noite com outra mulher que, inteiramente sedenta de seu domínio, fez com que ela se sentisse a mais realizada das fêmeas do Baixo Augusta. Ao se despedirem com um longo e escandaloso beijo na porta do Eclético’s a “presa” perguntou:


Ela: Você é sempre tão decidida?


Deborah: Uma mulher precisa estar sempre pronta, não?


P.s: Esse conto foi escrito em 2010 e me inspirei na canção "Crazy He Calls Me", interpretada magistralmente pela Billie Holiday.

sexta-feira, março 02, 2012

No Escuro...


Ontem conversando com um amigo de trabalho com raiva do convite que recebeu de uma ex que, embora ele diga que não representa nada, estou certo de que ainda ocupa grande espaço no coração amargurado do rapaz, pensei em como algumas escolhas a princípio banais podem mudar totalmente a vida da gente.

Antes vou explicar a situação por cima: ele tinha um namoro de quatro anos com a moça que conhecera ainda nos tempos de faculdade e no momento em que a monogamia tornou-se enfadonha, passaram a frequentar as tão popularizadas casas de swing. Aliás, se tem um hábito que podemos citar como fruto da última década no Brasil é isso. Como existe gente indo a lugares desse tipo e – ao contrário do que alguns pensam – pessoas jovens, bonitas, sedutoras! Claro que o sexo em grupo sempre existiu, mas essa parada dos lugares comerciais, com CNPJ e tudo dedicados à putaria me parece uma retomada das casas de banho da antiguidade clássica que o cristianismo sepultou por muitos anos. Bem, eu sinceramente acho bacana e interessante ver que os casais podem ter uma vida mais honesta, solta e dialogar acerca de suas fantasias porque acho meio decadente viver os tempos de hoje com o olhar no retrovisor, mirando-se em arquétipos tolos e que fogem completamente à natureza real e particular de cada um. Também me alegra pensar que alguém possa perfeitamente sair de um bacanal às 23:30 h, chegar em casa, dormir e levar o filho para a escola às 06:30 h, sendo zeloso e responsável em seu dia a dia.

Agora, voltando ao caso, ocorreu que depois de um tempo nessa vida de hedonismo helênico/romano, a garota decidiu que não o queria mais como namorado e que estava gostando de outra garota. Adivinha onde ela “descobriu” que gostava de amiguinhas? Bingo! Você acertou! Terminado o romance ele ficou desnorteado e com ódio do mundo, das surubas, dela, dele mesmo. Enfim, aquele ódio que sentimos quando entramos com o traseiro e o outro com o pé!

Passado algum tempo, essa semana a menina liga e o convida para jantar. Ele emputecido a trata de forma deselegante e me chama para fumar um cigarro. Convite aceito, ele com o cigarro e eu com a coca-cola:

Ele: Você acredita que aquela desgraçada me liga para me chamar pra jantar?
Eu: É...
Ele: Cara, que absurdo!
Eu: Mas... você perguntou a ela o porquê do convite?
Ele: NÃO! Não vou, não quero saber! Quero que ela morra!
Eu: Quer mesmo?
Ele (me interrompendo): Quero! Desgraçada!
Eu: Bem, me deixa falar o que eu acho?
Ele: Tá!
Eu: Fulano, é óbvio que você quer ir a esse encontro! Acho até que deve!

Ele tenta me interromper, mas eu sou enfático e corto.

Eu: Não! Me deixa terminar! Cara, você quer muito falar com ela. Se não quisesse não ficaria transtornado assim. Penso que deve isso tanto a você quanto a ela. Cara, essa moça passou 4 anos dando a xoxota pra você. Isso é muita coisa!
Ele: Lucas, essa vadia me traiu!
Eu: Como assim?! Deixa de ser lunático! Meu, vocês iam a casas de orgias!
Ele: Você não entende!
Eu (agora bravo): Entendo sim! Não venha subestimar minha capacidade de sacar o motivo verdadeiro da sua raiva! Cara, enquanto ela ia nesses lugares para satisfazer, entre outras coisas, sua vontade de trepar com outras garotas, de vê-la fazendo o mesmo e de ter a fantasia masculina de duas mulheres a seu serviço, estava tudo bem. Foi só ela se investigar melhor e sacar que podia e queria ter uma relação sólida com outra garota que aí ela virou uma biscate perversa.
Ele: E como você pode dizer que é isso?
Eu: Desculpe, mas o que você está sentindo é dor de corno e isso precisa passar. Há que se aceitar a ideia de que hoje todos somos passíveis de troca pelos dois gêneros. Qual a diferença entre ser trocado por outro cara ou por uma mina?
Ele: Agora eu sou o vilão então? O filho da puta sou eu!
Eu (um pouco sarcástico): Na boa, não tem filho da puta nesse caso...
Ele: Lucas, ela devia ter sido honesta comigo!
Eu: Ela foi! Tanto foi que deixou a vida tranquila de uma relação socialmente aceita para ser tachada de sapatão por aí e, talvez, ela nem seja gay, mas bissexual, o que a torna – aos olhos medíocres – ainda mais vadia.
Ele: E por que você acha que eu devia falar com ela?
Eu: Não sei. Quem deve saber é você! Não sou protagonista da sua história, apenas ouço suas lamúrias. Aliás, como já disse, decadentes! Até entendo que sua dor é real, mas nem por isso deixa de ser piegas e cafona, saca?
Ele: Nem sei porque te conto isso! Dos meus amigos você é o mais cruel...
Eu: É, eu sei disso! Por trás dessa carinha de moço bom do interior, esconde-se um pequeno monstro cultivado com esmero. Sempre foi assim, sempre será!
Ele (agora rindo): Filho da puta!
Eu: Pode parar! Mamãe nunca se meteu nessas festas selvagens que você frequenta...

Rimos os dois!

Não, é claro que ele não sabe que eu postei esse texto. Quanto aos curiosos, caso ele vá jantar com a menina, escrevo depois porque é óbvio que o pássaro ferido quer terminar de contar esse caso ao cruel aqui. Falar é – muitas vezes – a melhor forma de reconstruir nossas asas para voos maiores e até mais excitantes.