quarta-feira, julho 04, 2007

Declaração de culpa


Olá pessoal!
Fazia muito tempo que não escrevia por total falta de saco, mas como estou de férias e estarrecido com os fatos ocorridos nas últimas semanas, resolvi exorcizar minha indignação por aqui, como se fosse possível.
Entre tantos acontecimentos bizarros teve destaque na mídia os assassinatos no bairro dos Jardins (do francês e do garçom negro), o espancamento da empregada doméstica na Barra da Tijuca e a contestável operação policial no Morro do Alemão, esses dois últimos no Rio de Janeiro. Claro que nenhum dos crimes acima citados e nem a barbárie cometida pelo Estado na favela (referendada a pouco pelo Presidente Lula), são plausíveis ou dignas de desculpas, porém mesmo assim me peguei pensando no que leva o ser humano a agir de maneira tão brutal e RACIONAL (sim, não é erro de digitação. Digo racional porque todos foram cometidos com premeditação e em nenhum caso, por tipos tidos pela lei como inimputáveis). Confesso que de certa forma todos nós batemos na Sirlei, matamos o francês na saída do Ritz e coagimos com terror financiado por dinheiro público toda uma comunidade carente que não tem escola, mas tem bala de armas pesadas e o porquê de meu alarmismo tentarei explicar adiante através de situações cotidianas. Sabe quando:

Estamos em nosso carro fechado, com vidro escuro e travado o máximo que podemos, muitas vezes sem cinto de segurança (já que fica difícil do policial ver) e chega um garoto "pobre, feio, geralmente negro, maltrapilho, mirrado, sujo" e trazendo mais uma infinidade de estereótipos e arquétipos que não me ocorrem agora e você se sente mal não por causa da situação calamitosa do ser humano a seu lado, mas porque ele age meio que "atrapalhando a paisagem"?
Ou então quando você chama um trabalhador semi ou totalmente analfabeto para lhe prestar um serviço (para o qual ele não foi devidamente especializado) e ele o faz de maneira imprópria ou totalmente ineficaz e você se irrita, xinga e fica, com o perdão do termo chulo, "emputecido", referindo-se a ele com desprezo e nem pensa que lhe faltaram todas as chances que a você sobrou?
Outra situação muito comum é quando você contrata uma empregada doméstica, como a que foi espancada no bairro nobre do Rio de Janeiro, e exige que ela seja legal e bem humorada com seu filho, passe uma roupa com esmero, cozinhe, limpe sua sujeira, faça hora extra vez ou outra para que você possa passar uma noite "gostosinha" no motel, jantar fora, ir ao cinema e em alguns casos preencha as lacunas deixadas pelos pais contemporâneos que precisam sair para trabalhar e prosperar, fazer pós, enfim ter a uma vida repleta de projetos concretizados como sonha a classe média tão cheia de ocupações. Aí você paga um mísero salário mínimo, encargos trabalhistas e, quiçá, uma cesta básica. Ah, e claro: faz com que ela coma depois de todos (de preferência na cozinha) para que seus hábitos e assuntos não cheguem a ser postos literalmente à mesa. Uma espécie de "Casa Grande, Senzala" atual. Curioso que os rapazes que bateram na Sirlei se enquadram perfeitamente neste perfil, não?
Você está passeando, passa uma "bichinha" e você, na frente de seu filho ou de quem quer que esteja ironiza com piadinhas completamente inoportunas e politicamente incorretas ou então com o famoso "... que tristeza para um pai e uma mãe..."?
Em reuniões de amigos ou familiares surge o momento "vamos fazer piadinhas de minorias" e todos riem porque é engraçado, mas não tem nada de preconceito, é só para se divertir? Começa o jornal e estão todos na sala. Vem mais uma notícia de chacinas como a da Candelária, Carandiru, Cidade de Deus, Eldorado dos Carajás e por aí vai e você diz sem pudores que é tudo bandido e que tem mais é que matar?

Se você já se viu nesses tipos de situações como autor é criminoso. Culpado por bater na Sirlei no ponto de ônibus, matar o francês saindo do restaurante gay, o garçom negro do boteco da Alameda Lorena, os cento e onze computados no Carandiru, as crianças da Candelária, os trabalhadores rurais sem terra de Carajás e mais recentemente os moradores do Morro do Alemão. Agora se você foi ator, mesmo que involuntário dessas situações e nada fez, você é no mínimo cúmplice e nem adianta tentar se explicar porque quem quer ouví-lo ou puní-lo, não é mesmo?

Temos que diagnosticar nossa condição de esfomeados, preconceituosos e bárbaros para tentar mudar o pensamento porque só assim muda-se a ação! Não adianta negar que estamos mais para a criança da foto acima do que para os atletas do Pan, o galã da novela, a musa das passarelas e todo e qualquer modelo forjado pela grande mídia.

Certa vez, quando estava no terceiro colegial, me pediram para escrever um texto para a Edição Comemorativa "Brasil 500 Anos" de um jornal penapolense e lembro-me de concluí-lo da mesma forma como farei com esse porque o problema é o mesmo desde quando Cabral chegou para acabar com as "Terras de Pindorama" - nome indígena do Brasil que havia antes da vinda do homem branco. Citando a mim mesmo, vamos lá: "é preciso repensar a sociedade que construímos baseada no mais alto grau de violência e usurpação".

Abraços do Lucas, o mais Franco.