domingo, junho 29, 2008

Made in Brazil. I'm so sorry!


"Brasileiros, chegou a hora de realizar o Brasil."
(Mário de Andrade em carta a Manuel Bandeira)
Olá pessoal!
Eu vivo me perguntando o porquê de na minha geração haver tanta gente com um sentimento de negação pela cultura popular brasileira. Sabe aquela gente deslumbrada que queria ter nascido em Londres ou Nova Iorque? Pois tenho encontrado essa gama de imbecis com uma facilidade absurda. Em São Paulo isso é mais comum de se ver no meio jovem “alternativo” (que de alternativo não tem nada além da estampa que é sempre uniformizada e em tons escuros porque é cosmopolita).
Outro dia conversando sobre a gravação de “Divino Maravilhoso” feita pelo Ney Matogrosso, a garota me disse que não gostou porque tinha pandeiro na música, depois outro rapaz me fala que não gosta de Rita Lee e que só gosta de Mutantes porque aquilo sim é “rock and roll”, uma moça na PUC me diz “na lata” que odeia canção popular e que só gosta de música eletrônica e que não aguenta ouvir nada que seja imbuído de brasilidade.
Toda vez que passo pela Augusta de noite olho para as baladas da moda e o que vejo são jovens com estereótipos da metrópole, ou seja, que podiam estar em qualquer grande cidade do mundo vestindo sua camiseta dos “Ramones”, seu “all star” de couro preto e seu “jeans” apertado que é fabricado pela Santista, mas tem a etiqueta das grifes da “SP Fashion Week” ou de qualquer outra semana de moda da Europa ou dos Estados Unidos. E nem precisa dizer que a música desses lugares também podia estar tocando em Nova Iorque, Londres, Paris ou Tóquio e é por isso mesmo que essa turma está lá. Pronto! Essa é a receita de sucesso de uma boa noite paulistana.
Em contrapartida nunca se valorizou tanto nossa cultura no mundo como hoje. Há lugares em que saímos da catalogação “world music” para “brazillian popular music” e isso porque temos uma das mais ricas e reverenciadas canções do globo. Hélio Oiticica e Lygia Clark estão sendo redescobertos através de publicações e mostras nos principais pontos de arte e pesquisa que existem. Paulo Freyre na educação, Lúcia Santaella, Cecília Almeida Salles e Arlindo Machado na Semiótica, José Celso Martinez Corrêa no teatro, Machado de Assis sendo publicado na França e muitos outros são nomes corriqueiros quando se fala em Brasil no exterior nas mais diversas áreas. Corriqueiros e referenciais, mas é claro que esse pessoal não está nem aí porque eles gastam o tempo para ficar antenado com as últimas tendências.
Essa semana mesmo tive mais uma prova desse deslumbramento com o que é estrangeiro devido ao falecimento da Ruth Cardoso. Ouvi o seguinte comentário: “Ela sim era um primeira-dama que nos honrava, tinha classe e sabia se comportar. Não essa farofeira mal vestida da Mariza Letícia. Ô casalzinho mais tupiniquim!” Bem, não vou entrar em discussões partidárias, mas o fato é que enquanto a Dona Ruth estava sendo bem formada em colégios e universidades da elite paulistana (tanto financeira como intelectual) e pôde se tornar uma poliglota e teórica, Dona Mariza estava trabalhando de babá, se casando, ficando viúva com uma criança no colo, casando com o Lula, ajudando o mesmo no sindicato, tendo o marido preso, segurando essa barra com o filho que já tinha e mais os filhos que teve com ele e passando os “perrengues” todos que já sabemos e que o PT adora lembrar nas campanhas para elevar a imagem do Presidente.
Isso só nos prova que a Dona Ruth é valorizada não pela sua obra que pouquíssimos devem ter lido ou até por sua atuação como primeira-dama, mas porque ela é o retrato da mulher emancipada ao estilo Sorbonne e a Dona Mariza é mais uma brasileira típica. Isso é que me deixa “puto da vida”! Lembro-me quando, na segunda posse do marido, ela foi muito criticada pela imprensa “nazistóide” devido ao vestido amarelo com o qual se apresentou. Esse vestido – muito bonito por sinal – tinha sido confeccionado por uma cooperativa de costureiras nordestinas e não tinha aquele “quê” de Europa ou Nova Iorque, sabe? Era regional demais!
Não quero parecer purista porque não sou e a prova disso é que ouço jazz, rock, consumo o “american way of life” de cada dia, gosto de música eletrônica e mais um monte de coisas que não são essencialmente brasileiras porque acredito que a produção cultural deve estar ao acesso de todos, não deve ter fronteiras, mas é que me convenço cada dia mais de que, aliado a uma ignorância gritante e um preconceito secular, o brasileiro tem um pavor tremendo de olhar no espalho e encontrar as mulatas do Di Cavalcanti, os “sararás” da Sandra de Sá, os operários da Tarsila do Amaral, as “mamas África” do Chico César, “o preto que você gosta” do Caetano, os Severinos do João Cabral de Mello Neto, as Gabrielas do Jorge Amado, as favelas do Noel Rosa, os Antonicos do Ismael Silva, os cortadores de cana dos artistas primitivos ou, como muitos preferem, naïf e assim por diante. Brasileiro só se sente confortável e orgulhoso em sua posição quando os jogadores da seleção jogam bem e aí é como se esses fossem “perdoados” por serem quase todos pretos. Nesse momento há uma espécie de alforria bem ao jeitinho brasileiro de ser – cínico e bárbaro!
Abraços do Lucas, o mais Franco.

terça-feira, junho 17, 2008

Quanto custa um sonho?

"Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, acorda." Karl Gustav Jung

Dia de sol, beira de rio, moças lavando roupas com seus filhos brincando em volta. Entre todas elas destaca-se por beleza e formosura Adelaide, esposa do velho e rabugento Miltinho e mãe de Carolina. Adelaide é dessas que mesmo com vida castigante e sem muitas alegrias, mantém intactos o frescor da juventude e o viço de sua beleza morena com traços bem delineados e sensualidade brejeira, venusiana.


Enquanto trabalham na quebrada da soleira entoam um canto imbuído de dor e conformismo de uma gente que sabe que veio ao mundo num dia de pouca inspiração divina. Certa tarde, já bem cansada e desiludida de tudo, Adelaide avista no corte da cana Francisco que, como ela, é jovem, forte e viçoso e não consegue tirar os olhos desejosos de seu corpo moreno e bem feito. Vê nitidamente que é correspondida com o mesmo fervor e desejo e isso a ela é incomum.

As investidas no olhar já datam de algum tempo e Adelaide, como mulher casada e de respeito, trata de desviar qualquer flerte mesmo ciente de que o desejo arde e num lampejo de loucura pede para que uma amiga olhe a filha para se dirigir discretamente até o rapaz. Os dois marcam o encontro atrás da mercearia as oito em ponto, uma vez que o marido e a filha visitariam a sogra dela naquele dia. Como combinado Francisco a pegou no local e hora marcadas e a levou para um motel barato de estrada e Adelaide (que nunca soube o que é prazer nessa vida) refestelou-se nos braços do viril e envolvente homem.

Essa seria mais uma estória de infidelidade como tantas outras se a moça não resolvesse abandonar família, mas não para ficar com o amante e sim para "cair na estrada" e conhecer quantos homens fosse possível e onde fosse necessário. Foram muitas as boleias, matas e banheiros até que ela resolveu se empregar numa casa de moças e hoje, mais de vinte anos depois, é a proprietária do local que com letreiro néon sinaliza "Casa da Adelaide". É ali que ela se encontra sem nem pensar se usa ou é usada. Vez ou outra pensa na vida que deixou e até derrama umas lágrimas para depois passar uma boa camada de maquilagem em seu rosto já não tão belo e vestir seus vestidos extravagantes. Para ela a vida é assim mesmo e se os sonhos de menina não foram realizados a contento é outra estória...

Óbito

Não há música para surdos e nem cores para cegos

E tudo o que foi por ti projetado não cabe na tela de meu sonho

Ao anoitecer o céu negro trará estrelas sem destino algum

Nunca passe sem dizer ao menos adeus e nem faça da escuridão uma sina

Quem dera parar o tempo no instante daquele olhar

Poder sentir o sopro do vento e o aconchego do abraço

Hoje sei o quanto custa cozinhar os olhos em lágrimas

Buscar o pífio e incerto momento

O beijo já não adoça mais a alma e é bom saber que o desejo se esvai

Sua presença já não é vital e nem meus próprios sonhos são da forma que espero

Vivo com tal intensidade o presente que – quase sempre – me atraso para o futuro

(inspirado na composição “Hoje” de Moreno Veloso e nos muitos poemas da amiga Cecilia Egreja)

FESTA

Num outro tempo numa ilusão mais tola

Tudo é incerto e nada é pra já

O revólver do meu sonho atira pra onde eu mirar

Mas sem matar a ilusão de que amanhã é tudo luz e calor

DIÁLOGO IMPERTINENTE

(ou a razão interpela o sonho)

De onde vens?

Do irreal.

Você não é real! Como podes viver sem estar presente?

Porque não preciso da vida, sou maior.

E por que não se pronuncias? Por que ficas etéreo?

Porque sou soberano!

És soberano, mas não vives. E se não vive, por que ser?

Não vivo como matéria, mas vivo na paixão, nos anseios, na inquietação.

Eu sou palpável e tenho nuances, timbre e textura, sou profana e sagrada, sou baixa e sou alta, profunda e rasa, aguda e grave. Sou o que quero, quando e onde me dá na telha.

Você acha...

E por que ages com tamanha indiferença diante das coisas? Por que vives como se fosse incólume e indiferente?

Já disse que sou soberano. Enquanto precisas de matéria para existir e construir sua teia, eu só conto com o delírio, o silêncio, o sono, a loucura. Enquanto corres atrás do singular, eu já nasci plural.

Mas eu viro algo e você fica no pensamento. Sou concreto e você substância desconhecida.

Eu não viro porque sou mutação e conto com o acaso, enquanto você vai atrás da comprovação. Eu não tenho textura, sou apenas sensação, sedução e transito sem pedir licença. Você presta contas e eu não dou satisfação. Você vive de verbo e eu de silêncio.


domingo, junho 08, 2008

A paranóia nossa de cada dia.


Olá pessoal!


Quando criança morava numa casa que foi construída em mil novecentos e trinta e sete por meu vovô e sua encantada Júlia e digo encantada porque embora eu o amasse muito, tinha plena consciência que ele era e sempre fora desprovido de beleza, embora tivesse seus olhos azuis, seu nariz adunco (que pode ser um charme) e uma sedução ora brejeira, ora inteligente e na maioria dos casos certeira. Mas o fato é que na nossa cabeça de criança a casa era mal assombrada e isso não me afligia, uma vez que eu tinha certeza que era um vampiro sem poderes e que no lugar de sangue precisava tomar sorvete de doce de leite da Kibon e comer chocolate diamante negro diariamente.


Lembro-me que recebíamos nas férias alguns primos que eram o Tádzio, a Katiana, o Breno e mais quem aparecesse para passar férias na Cidade das Penas e minha diversão era levar todos para o “Assombradinho” – uma ex-casa de funcionários que na época já era um depósito de “não quero essa coisa aqui, mas não vou jogar fora. Manda pra lá”. Para uma criança era o paraíso, pois encontrávamos bicicletas e móveis da década de sessenta, fantasias de carnaval, escrivaninhas, tintas para canetas tinteiro da marca Kim, resto de materiais de construção, entre tantas outras coisas. Porém o lugar não tinha iluminação alguma mesmo que fosse duas horas da tarde e isso aliado a estórias contadas pela Ivana de fantasmas era um prato cheio. A mais assustadora era de que certa vez quando ela era criança e brincava no terraço começou a ouvir batidas e gritos na porta do lugar e, quando chegou para ver, os gritos viraram gemidos de dor e a porta parecia estar sendo forçada por alguém. Exatos quarenta segundos depois a porta se abre bruscamente e não tem nada além de plumas de travesseiros no ar.


Eu morria de medo, mas depois de um tempo saquei que era tudo mentira dela. Sem deixar de crer em fantasmas comecei a passar tardes inteiras no lugar e quando foi se aproximando as férias já comecei a pensar em como iria assustar os outros. Não precisei! Meu irmão Francisco teve a brilhante idéia de levar todas as crianças quando caiu a noite. O problema é que não havia energia elétrica por lá e fomos com uma vela acesa que ele mesmo segurava e que foi “casualmente” apagada no último cômodo sem que ele fizesse barulho algum. Acredito que todos podem imaginar o transtorno que foi para duas crianças de nove anos, mais uma de uns cinco saírem aos berros no mais completo breu tanto do lugar como da mente tão cheia de merda que temos nessa idade.


Porém esse não foi o pior susto que já levei na vida. Susto mesmo foi com a Susana, minha irmã. Eu devia ter uns treze anos e estava só no terraço brincando com o Godot e o Rufos. A brincadeira consistia em jogar uma bolinha no andar de baixo para ver qual cão pegaria e traria nas minhas mãos e assim eu estava fazendo a algum tempo. Num determinado momento os cães não voltaram, pararam de emitir som e fez-se um silêncio propício para o clima de horror. Suei frio e fui até a porta que estava trancada – o que me deixava encurralado ali.


Eu (pensando): Entrou um bandido, matou os cães e vai me matar também. Nem tenho para onde ir!


Olhei em volta e vi duas coisas que podiam me servir (vigas de madeira para construção e um conjunto de panelas tipo marmita) e como o bandido não se manifestava resolvi, chorando de pavor, mas sem fazer barulho e com a marmita na mão como se fosse um taco de madeira, descer as escadas e enfrentar meu oponente – no caso minha irmã que estava de calça jeans, camiseta branca e um boné que escondia seus cabelos, ou seja, um “trombadinha” típico.


Eu (pensando): Não vai adiantar ficar aqui e como vou ser morto por esse filho-da-puta irei ao menos tentar rendê-lo. Mas e se for mais de um?


Quando estava alucinado atrás dela, acho que fui pressentido e nesse momento ela se virou e eu levei alguns segundos para processar a informação parando com a “arma” bem próxima de sua cabeça num grito de absurdo pavor.
Ao ver quem era senti uma pontada no peito e falei ainda um pouco apavorado:

Eu: Sua idiota!
Ela (atônita): Você é louco?
Eu (certo de que ela fez de propósito): Não, você que é uma impertinente mesmo!
Ela (agora rindo muito): Eu não fiz nada! Você que é maluco.


Bem, o fato é que ela estava apenas segurando uma bolinha e os cães estavam quietos porque aguardavam o momento de correr novamente e eu imaginei toda essa fantasia em minutos de intenso pavor e essa não foi a única vez em que criei situações regadas a paranóias. Com o tempo as paranóias saem do universo fantástico e migram para o cotidiano e é aí que a galera surta mesmo. Eu acredito cada vez mais que virar adulto é entrar num processo “paranoisante” e que nos tornamos vampiros de nós mesmos, sendo que uns transam e outros continuam tomando sorvete e comendo chocolate. Ai, que saudade dos fantasmas do “Assombradinho”!


Abraços do Lucas, o mais Franco.