sexta-feira, junho 16, 2006

Vai passando a procissão ...


Olá pessoal!

Como o feriadão é de Corpus Christi resolvi contar uma história que ocorreu conosco faz uns dez, onze anos.
Sexta-feira - hora do almoço, meu pai e o funcionário do Santuário no portão de casa. O Senhor aparece com o segundo quadro da Via Crucis e pede que meu pai o coloque na entrada de casa virado para rua na "quinta-feira" (mais para frente vocês entenderão o porquê do dia da semana estar entre aspas).
Senhor: Seu Francisco, basta colocar aqui no portão para que a procissão passe, faça as orações e ladainhas.
Pai (quase um ateu): Tá!
Eles se despedem, meu pai entra e deixa o quadro na saleta do piano, debaixo da escada.
Algum tempo depois:
Mãe (praticamente uma ecumênica, mas com sérios problemas de datas, horários e total ignorância sobre rituais católicos): Quem deixou isso aí!?
Pai: O moço da Igreja pediu que pendurasse no dia da Procissão.
Mãe: E que dia será isso?
Pai: QUINTA-FEIRA!
Mãe: Ah! Mas então temos que fazer uma arrumação para recebê-los ...
Passa-se o final de semana, chega a segunda-feira. Até aí tudo corria bem.
Terça-feira, final da tarde, mamãe chega do trabalho em suas palavras destruída. Vai para o quarto, tira a roupa, desce para sala, liga a televisão e acomoda-se (apenas de roupas íntimas). Papai vai fazer seu cooper e volta todo suado, toma banho e fica igualmente à vontade, Francisquinho chega do clube e come meia dúzia de sanduíches com uns dois litros de leite achocolatado e eu chego da escola, jogo o material em qualquer lugar, tiro a roupa e fico apenas de cueca. Passamos uma meia hora em paz, sem nem prestar atenção no burburinho que ocorria na Igreja a duas quadras de casa.
Porém, do absoluto nada, começo a ouvir um tanto próximo: "... segura na mão de Deus e vai ..."
Olho para minha mãe e digo:
Eu: Mamãe, você não está escutando nada?
Ela (abaixa o volume do televisor e escuta): O quê é isso!?
Eu: Procissão!
Corremos até a sacada e vimos o povaréu cheio de fé a uns cinqüenta metros de nosso portão na primeira passagem. Saímos todos correndo alucinadamente para pôr ao menos uma blusa e agitar-nos para alojar o quadro na fachada de casa. Meu irmão foi quem se recompôs primeiro (colocou um short) e saiu correndo com quadro, martelo e prego. Papai, mamãe e eu fomos até a sacada (estávamos apenas com a parte de cima e de cuecas nós e calcinha ela - completamente apavorados com a procissão que se aproximava). Assim que meu irmão terminou, subiu e instalou-se na sacada (já com camiseta).
Cinco minutos depois eles param em frente de casa, agradecem a "calorosa" acolhida, fazem as ladainhas, lêem a passagem (que se referia ao quadro) e vão enfim embora. Não preciso dizer que os quinze minutos que passaram ali pareciam horas intermináveis devido a vergonhosa, mal ajambrada e nada hospitaleira recepção que os demos. Imaginem a impressão que causamos naquela gente: não arrumamos nada para agradecer a "honra" de estar com o Jesus deles em casa, ficamos observando de uma sacada (parecendo família real) enquanto o quadro ficava sozinho em cima de um portão (sem nem uma mísera velinha) nem rezamos juntos.
Bem, passado o vexame ficamos todos pasmos por alguns segundos - menos meu pai que não via problema algum no mal entendido e aparentemente nem se abalou.
Mãe: Chico, você não disse que esse negócio seria na quinta-feira?
Pai: Ah! Sei lá ...
Francisquinho apenas ria e eu fiquei meio envergonhado, meio achando graça, meio sei lá ...
Mãe (aos gritos): Puta que pariu! Quer dizer que fui publicamente exposta por causa desta merda e você apenas me diz que não sabe?
Pai (nem aí): Exposta por quê? Só tem gente "manca da cabeça" atrás dessa bobagem. Você parece que bebe!
E a briga prosseguiu com despaltérios de todos os lados.
Passados alguns anos a história se repete e mamãe se jogou de cabeça na parafernália toda. Ficou tão a fim de mudar sua imagem para com os fiéis que não só enfeitou nossa fachada toda com flores do campo, como pôs castiçais dourados, crucifixos, toalhas bordadas de bifê e ainda enfeitou a rua toda com um imenso São Francisco de pó de serra tingido e tampinhas de refrigerante forradas com papel laminado para que os fiéis tivessem um tapete para passar. Se arrumou e foi esperá-los no portão toda risonha. Papai continuou vendo da sacada como um legítimo Romanov e eu o acompanhei, claro! Até porque adorei estar em uma sacada toda arrumada para ver aquela gente toda de cima (a imagem de uma procissão é muito mais interessante do alto).
E assim exercitamos nossa "religiosidade".

Abraços do Lucas, o mais Franco.

P.s.: Pode não parecer, mas adoro uma cantoria religiosa, ladainhas e orações declamadas emocionadamente. O fato não me traumatizou ao contrário de mamãe que entra em pânico quando vê ou ouve algo que lembre procissões.

2 comentários:

Marina Sathler disse...

Lucas, eu nunca imaginei que a sua família não fosse de seguir a procissão :P
divertidíssimo !!

Marina Sathler disse...

morreu?? não vai postar mais?