segunda-feira, julho 02, 2012

O Silêncio!


Outro dia, conversando com uma grande amiga, ela me perguntou o porquê de eu estar escrevendo pouco. Como não costumo pensar muito nisso, pois escrever não é um ato que me faça falta respondi que, talvez, as coisas não sejam mais tão interessantes para o meu olhar como já foram um dia. Digo isso porque me lembro nitidamente em como o cotidiano banal me despertava interesse e me dava vontade de escrever. Algumas situações eram tão desinteressantes que eu começava a imaginar em cima. Eis algumas:

Não me lembro com certeza o ano, mas sei que eu era criança e estava em um supermercado quando avisto de longe, na barraca de laranjas, minha mãe dar um tapa em público no meu pai. No momento não soube dizer se aquilo mais me chocou pelo ato em si ou se me envergonhou já que em uma cidade como Penápolis uma briga conjugal dessas proporções viraria um escândalo e eu seria filho da louca que bate no frouxo. Pensava: "Meu Deus, que horror! Eu não quero ser filho de ninguém e agora eles brigam no mercado!"

O fato é que minha mãe não bate no meu pai e vice-versa e o acontecimento se deu por causa de uma barata que, aliás, é o maior medo que eu conheço da minha progenitora. Ela já protagonizou outras cenas vexatórias/engraçadas por causa das bichinhas e enquanto escolhia as frutas, a barata roçou em sua palma, meu pai estava logo atrás e ela saiu com a mão em alta velocidade que se chocou na face de seu amantíssimo esposo completamente embasbacado com a agressão sofrida em público. Não, antes de pensar no tapa ela só conseguia dizer "Uma barata, Chico! Uma barata! Que nojo! Uma barata!"

Eu só soube a real versão alguns minutos depois, uma vez que com vergonha do que vi sem entender, achei prudente e inteligente ficar longe. O fato é que - muitas vezes - a imagem é sempre mais forte do que a versão e isso foi o que sempre me motivou a escrever. Muitos são os momentos em que olho para alguém na rua e começo a inventar uma vida completa para o indivíduo. Aliás, quando acabo conhecendo a versão real sempre acho que a minha era melhor.

Em um outro momento estávamos eu, mãe, tia e avó em uma padaria aqui em São Paulo, esperando para tomarmos sopa. Havia uma fila um tanto grande e um pouco à frente de nós uma senhora bem vestida, sua filha, genro e dois netos.

Eu: Vó, tá vendo aquela senhorinha ali?
Vó: Sim. O que tem ela?
Eu: Tenho certeza que ela é viúva de fiscal, deve ter uma pensão de uns R$ 20.000,00 e um apartamento aqui nos Jardins.
Vó (rindo): Como você sabe?
Eu: Ela não está contente! Está com cara de quem queria estar com as amigas, fumando um cigarro e jogando tranca, mas aí a filha mimada e o genro fracassado no mercado financeiro se mudaram pra casa dela e agora ela banca geral e ainda teve que mudar sua rotina. Ah! Essa aí é filha única!
Mãe (rindo): Como você é bobo!

No final a senhora pega todas as comandas e paga a conta sozinha!

Eu (olhando para as três): Não disse?
Vó (rindo): Meu cú nem penica!
Eu: Mas eu acertei!

Tem também os momentos em que eu simplesmente interajo com meus personagens e vou lá conhecer. Quase sempre sou cínico! Tenho um personagem que se chama Arthur e é médico, outro que se chama Lucas mesmo, mas é órfão de pai e filho da empregada de uma fazenda que estudou com bolsa do governo e não gosta de falar muito da vida no campo. A questão é que acabo me esquecendo de com quem os usei e vez ou outra encontro o cidadão novamente e acabo sendo desmascarado! Outro dia - em um boteco sujo na Augusta - chega um rapaz que me conhecia da PUC, dizendo que ele e uma amiga vieram falar comigo e eu respondi "vocês não podem ser meus amigos porque eu só tomo bebidas caras". Na hora comecei a rir e lembrei que havia mesmo esse personagem que era um escroto, mas tão escroto que eu escrevia sobre ele e jogava fora. Foi então que eu respondi: "Sabe como é, né? O mundo dá voltas e eu estou aqui bebendo essa cerveja vagabunda com amigos tão baratos quanto. Ah! Eu nunca fui tão caro assim!"

Outra questão recorrente que me fazem é se escrevo coisas que acontecem comigo. Claro que uma coisa ou outra pode ser minha, mas é óbvio que não! Eu jamais abandonaria filho para viver na estrada, não mataria prostituta por solidão, não transaria por obrigação, não seria ingrato com quem me estende a mão em momentos de necessidade e tantos outros casos aqui inventados. Por outro lado, tem as festas de casamentos que eu praticamente destruí com meus porres homéricos e bunda de fora e o aniversário infantil que qualquer dia eu conto. O fato é que alguns personagens possuem vida própria na minha cabeça. Adelaide da boleia, Maria Elvira da Lapa, a viúva das "mangas" e o velho assassino foram fantasmas que me tiraram o sono enquanto não sentei e contei seus casos. Todos permanecem vivos em minha cabeça! Isso é um pouco perturbador e psicótico, mas é assim que funciona, ou seja, enquanto não dou voz a eles, não consigo viver o meu silêncio. Para mim escrever é um hábito noturno como todos os outros que me dão prazer na vida e ele acontece sorrateiro, chegando sem avisar. Por isso mesmo fico apavorado quando me pedem, encomendam algo! Não quero, não sei e não irei aprender a fazer assim! Continuarei em minha teia repleta de delírios e fantasias - nocivas ou não. Quando puder publicar sem grandes melindres e reverberações desnecessárias eu publico porque no final das contas fazemos isso por nós mesmos, para nos salvar. É preciso deixar vestígio e foi sempre assim.

"Escrever é, simplesmente, uma maneira de falar sem que nos interrompam." (Sofocleto)

2 comentários:

Julia Dietrich disse...

É meu querido,
sinto exatamente as mesmas sensações. Meus personagens sentam a minha frente, aparecem nos lugares mais estranhos e improváveis (chuveiro, máquina de lavar roupa, do lado da mesa da chefe) até eu decidir escutá-los. Ultimamente meu silêncio anda bastante presente, pouco interrompido. E, talvez numa pegada Rilke, eu esteja feliz com isso.
Parabéns pelo teu texto. Mais um que merece ser lido e relido.
Saudades.

Lucas Franco disse...

Ah! Juju, você escreve TÃO mais e melhor do que eu! Não deixe de fazer isso, você sabe!